
Com o agravamento da degradação ambiental a natureza adquire cada vez mais uma posição de destaque nas agendas governamentais e, por isso, o conhecimento técnico-científico desempenha uma função decisiva na tomada de decisões. Dessa forma, as pessoas que não acessam esses conhecimentos são excluídas da possibilidade de participarem dos das decisões dos processos que interferem em suas vidas. Nesse sentido, a centralidade da problemática ambiental torna-se passível de manipulação política (JACOBI, 2005). Assim, entende-se que os conhecimentos sobre os aspectos históricos, sociais e ecológicos em interação com os saberes tradicionais são de extrema relevância para o fortalecimento das lutas das comunidades pelos seus direitos e na defesa de seus territórios.
O Projeto Comunidade Participativa tem como objetivo atuar na formação socioambiental de moradores das comunidades tradicionais da Planície Costeira do Rio Doce (PCRD) no Norte do Espírito Santo para que possam ser protagonistas nos espaços de decisão. Dentre as ações de formação desenvolvidas pelo Projeto Comunidade Participativa destaca-se a realização do curso “Agentes de desenvolvimento socioambiental”. Para isso, mobilizamos especialistas em diferentes áreas do conhecimento e várias lideranças comunitárias. O curso teve como público-alvo 30 estudantes do ensino médio moradores de 6 comunidades parceiras do projeto (quadro 1).
Quadro 1. Distribuição das Comunidades participantes do Projeto Comunidade Participativa
Setor | Município | Comunidade |
---|---|---|
Comunidades quilombolas | Jaguaré | Palmito |
Conceição da Barra | Santana | |
Comunidades pesqueiras | São Mateus | Linharinho |
Barra Nova Norte | ||
Barra Nova Sul | ||
Campo Grande de Barra Nova |
Desenvolvimento da experiência
O curso foi oferecido pelo Laboratório de Educação ambiental do Centro Universitário Norte do Espírito Santo da UFES, com uma carga horária de 140 horas, sendo dividido em 2 etapas de 70 horas cada. A primeira etapa visou fornecer conhecimentos sobre os processos socioambientais que caracterizam a PCRD. Ao finalizar essa etapa com aproveitamento de 70% nas avaliações bem como de frequência em 75% das aulas, o estudante recebeu um certificado de conclusão do curso “Aspectos socioambientais da Planície Costeira do Rio Doce”. Nesta etapa todos os 30 estudantes finalizaram o curso. Além das aulas expositivas, o processo de ensino teve como referência a oferta de atividades interativas diretamente nos ambientes naturais da Planície Costeira do Rio Doce. Assim, os jovens foram guiados por especialistas aos diversos ecossistemas da Região onde tiveram a oportunidade de ampliarem seus conhecimentos. Além disso, os professores do curso buscaram envolver os jovens em dinâmicas de grupo e atividades de aprendizagem com uso de tecnologias da informação. O conteúdo programático da primeira etapa constou dos seguintes temas: Aspectos geomorfológicos da PCRD, biodiversidade da PCRD, aspectos socio-históricos e culturais da PCRD.
A segunda etapa abordou os aspectos políticos e administrativos que impactam a Planície Costeira do Rio Doce. Além disso, forneceu conhecimentos teóricos e práticos sobre métodos e técnicas utilizadas na elaboração e execução de projetos socioambientais. O conteúdo programático da segunda etapa do curso constou dos seguintes temas: Organização político-administrativa do Estado; Gestão ambiental pública; Metodologias participativas em projetos socioambientais: Fundamentos teóricos e práticos. Ao cumprir a carga horária mínima de 75% e aproveitamento de 70% nas avaliações dessa etapa 17 estudantes adquiriram o direito de se candidatar a uma vaga de estagiário para atuar na última etapa do Projeto Comunidade Participativa, que consistiu no monitoramento socioambiental participativo.
Análise da experiência
Toda atividade de formação pautada em uma perspectiva crítica apresenta intenção no fazer educacional (FREIRE, 1996). Diante disso, tornou-se necessário a busca por indicadores qualitativos que evidenciassem de que forma o curso e a vivência dos estudantes no projeto contribuíram para o desenvolvimento dos princípios e valores que identificam a vida comunitária. Esses indicadores foram colhidos por meio da aplicação de questionários aos estudantes finalistas do curso cujas respostas foram analisadas e utilizadas para a produção de um texto a partir da técnica do discurso do sujeito coletivo do qual se apresenta alguns fragmentos a seguir:
"Na minha opinião, as contribuições do projeto não foram apenas na parte estrutural das comunidades, mas, também, no despertar da população para melhorias e busca de novas oportunidades. Isso me possibilitou conhecer a minha própria história, que por muito tempo foi mascarada e nos foi passada de forma distorcida. Com isso, evolui muito, me tornei uma pessoa mais voltada as causas as causas sociais, me tornei mais questionadora. Me aprofundei mais sobre o lugar onde vivo. Queremos ajudar, compartilhando esses conhecimentos que adquirimos no curso [...]. O projeto nos acrescentou valores, e nos tornou mais humanos e mais sensíveis as necessidades do próximo. [...].
A partir do projeto aprendemos a estabelecer relações entre os problemas de nossas comunidades e aqueles de escalas maiores. [...], agora, conseguimos entender que essa pandemia não é apenas mais um caso de saúde, mas uma questão socioambiental de escala mundial que alterou drasticamente o funcionamento da vida das famílias de nossas comunidades. Entre os temas mais relevantes [...] sobre as questões ambientais de nossa região, os modos de vida e os direitos das comunidades tradicionais[...]. Pudemos compreender a formação geomofológica da Planície Costeira do Rio Doce, vimos que o ambiente do terciário, onde o solo é mais argiloso, é mais antigo que os terrenos do ambiente de quaternário, onde estão as restingas, manguezais e alagados e o solo é arenoso.
Aprendemos sobre o funcionamento dos ecossistemas costeiros do Norte do Espírito Santo, bem como, os impactos das atividades produtivas sobre eles. Partir das aulas teóricas e práticas pude ter um olhar menos naturalista e mais socioambiental da natureza, mostrando a importância da preservação e do monitoramento da fauna e da flora em nossas comunidades, pois isso implica na nossa sobrevivência. [...] Além disso, os temas abordados o curso contribuíram consideravelmente para a melhoria de nosso desempenho na escola, especialmente nas disciplinas de história, geografia, sociologia, filosofia, biologia e química. [...] como a política faz parte de nossas vidas e como é importante discutir sobre ela e o empoderamento feminino e mulheres na política. Nesse sentido, o projeto influenciou no nosso crescimento como cidadãos de deveres e que vão atrás dos seus direitos".
Nota-se, nos discursos dos jovens participantes do curso um claro encantamento com os conhecimentos socio-históricos sobre o contexto de suas comunidades, resultados que corroboram as afirmações de Gohn (1997) sobre a importância do capital social gerado a partir da autoconfiança, frutos, por sua vez, da participação na vida comunitária. A autora defende que o capital social é o ingrediente necessário para a produção das forças emancipatórias responsáveis pelas mudanças e transformação social, pois gera solidariedade e coesão social.
Considerações finais
A partir da análise do discurso coletivo dos jovens alunos do curso podemos afirmar que a experiência permitiu o desenvolvimento de um olhar diferenciado sobre seu território, pois suas narrativas são carregadas tanto de elementos técnico-científicos quanto daqueles que caracterizam a identidade com a cultura e o lugar. Diante disso, vislumbrando um cenário de médio prazo, espera-se que esses jovens se envolvam com as questões de suas comunidades e se constituam lideranças com olhares técnicos, conhecedores dos aspectos socioambientais do território. É importante considerar também o impacto das mudanças climáticas e a necessidade de políticas públicas inclusivas, como discutido em pesquisas sobre migrantes climáticos. Em um cenário de longo prazo, aposta-se que esses jovens estarão capacitados a atuarem de forma integrada a outros fóruns de discussão sobre questões socioambientais já existentes no território da Planície Costeira do Rio Doce e seu entorno.
Autores: Mariana Rito Bittencourt, Pedro Emanuel Silva Pinto, Flora Zauli Novaes e Marcos da Cunha Teixeira.
Agradecimentos
O Projeto Comunidade Participativa é patrocinado pelo Programa Petrobras Socioambiental.
- Graduanda do Curso de Licenciatura em Ciências biológicas da Universidade Federal do Espírito Santo - Campus São Mateus, [email protected];
- Graduanda do Curso de Licenciatura em Educação do Campo da Universidade Federal do Espírito Santo - Campus São Mateus;
- Licenciada em Biologia e Mestranda do Programa de Ensino na Educação Básica, Universidade Federal do Espírito Santo - Campus São Mateus, Coordenadora de Campo do Projeto Comunidade Participativa;
- Doutor em Entomologia/Ecologia pela Universidade Federal de Viçosa, Professor da Universidade Federal do Espírito Santo – Campus São Mateus, Coordenador do Laboratório de Educação Ambiental, [email protected].
Referências
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 25. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
GOHN, Maria da glória. Teoria dos movimentos sociais. Paradigmas clássicos e contemporêneos. São Paulo, Loyola, 1997.
JACOBI, P. R. Educação Ambiental: o desafio da construção de um pensamento crítico, complexo e reflexivo. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 31, n. 2, p. 233-250, maio/ago. 2005.