
O projeto de extensão “Comunidade e Meio Ambiente: saberes e demandas locais” propõe a construção participativa de políticas municipais de educação ambiental em Cruz das Almas-BA. Integra esforços conduzidos pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) e a Faculdade Maria Milza (FAMAM), com apoio da Secretaria Municipal de Agricultura e Meio Ambiente e da Secretaria Municipal de Educação. O projeto é vinculado a pesquisas desenvolvidas junto ao Programa de Pós-graduação em Gestão de Políticas Públicas e Segurança Social (PPGPPSS/UFRB) e ao Programa em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente (PDRMA/FAMAM), ambos na modalidade profissional.
Cruz das Almas se localiza no Recôncavo da Bahia, distante 150Km de Salvador, e com população estimada em 64mil habitantes. Abriga Instituições de Ensino Superior (IES) e uma unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA). Situada no bordo do Bioma Mata Atlântica guarda um pequeno e importante remanescente da floresta ombrófila semidecidual - “Mata de Cazuzinha”; que carece de investimentos, fiscalização para coibir a caça e ações coordenadas de educação ambiental (MAMÉDIO et al., 2019). A cidade não dispõe da coleta seletiva de resíduos sólidos e o aterro controlado é tecnicamente deficiente, com entraves legais (SOUZA; TEIXEIRA, 2012). Predomina o setor terciário de serviços, mas a produção de cítricos, fumo e culturas de subsistência são marcantes. Na última década foram registrados programas e projetos (pontuais) de educação ambiental desenvolvidos por iniciativa da sociedade civil e do Poder Público, se destacando a longevidade do Programa Despertar, em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR/BA), voltado às escolas da zona rural (CUNHA, 2018). Exemplos de iniciativas bem-sucedidas de voluntariado em educação ambiental podem ser encontrados em projetos como o do Centro TAMAR.
O município não possui uma Política, Programa, Plano de Educação Ambiental ou uma Comissão Intersetorial específica; embora disponha de um Conselho Municipal de Meio Ambiente e um Fundo Municipal de Meio Ambiente. Justifica-se, assim, a necessidade de instituir a política municipal de educação ambiental em forma de Lei, acompanhada por um Programa de Educação Ambiental que atenda reais demandas municipais. O desejo pela condução de um processo participativo e a concepção de políticas multicêntricas direcionaram a estruturação do Projeto Comunidade e Meio Ambiente. A “política multicêntrica” é aquela em que diferentes setores sociais são protagonistas e concorrem à construção da política, ainda que o Estado seja um importante (e talvez principal) propulsor das ações (SECCHI, 2013).
O projeto foi estruturado em três eixos (educação popular; educação formal; e fortalecimento interinstitucional). Oficialmente cadastrado na PROEXT/UFRB foi apresentado aos Conselhos Municipais de educação, de meio ambiente e de saúde; além das respectivas secretarias municipais e um representante da Câmara Municipal. Apesar de sucessivas tentativas não foi possível audiência junto ao Gabinete do Prefeito. O eixo “educação popular” foi conduzido por meio de encontros (fóruns) realizados nas comunidades rurais. Destaca-se a participação ativa da Secretaria de Agricultura e Meio Ambiente na mediação do diálogo com as associações de moradores. Foram realizados 7 fóruns entre NOV/2019 e MAR/2020, abarcando 11 comunidades e 130 pessoas. Cada fórum teve duração de 2h, mediados por dinâmicas de grupo que permitiram construir diagnóstico dos problemas e possíveis soluções locais.
Os diálogos foram registrados em cadernetas e usados na estruturação de atas, acompanhadas de registros fotográficos e listas com assinaturas dos comunitários presentes. Cada fórum elegeu dois ou três representantes a serem envolvidos nas etapas seguintes (Conferência Municipal). Foram apontados problemas e demandas ambientais decorrentes do histórico de expansão urbana, desmatamento, contaminação por agrotóxicos, poluição dos rios, perda da biodiversidade, falta de saneamento, desigualdade social e uma economia centrada no uso insustentável de recursos naturais. Foram apontadas possíveis soluções que envolvem desde a educação ambiental à gestão ambiental pública, participativa, com perspectivas de desenvolvimento local: fortalecimento da agricultura familiar com suporte aos agricultores e produção de alimentos saudáveis; reflorestamento e cuidado com remanescentes florestais; maior efetividade da fiscalização ambiental; coleta e tratamento dos resíduos sólidos; recuperação de nascentes; promoção da educação ambiental formal e não formal; fortalecimento e organização das comunidades frente aos seus problemas socioambientais; oficinas de materiais recicláveis aos jovens; entre outros.
Tal perspectiva, sugere uma Educação Ambiental promotora de debates direcionados às inter-relações entre sociedade, educação e meio ambiente, mas com ponderações e questionamentos dos problemas ambientais e posicionamentos perante o atual padrão de vida (LAYRARGUES, 2004). Tal premissa somente é possível com participação social e envolvimento comunitário em processos de formulação e implementação de políticas ambientais. Os grupos sociais oferecem outro sentido a essa dinâmica, se sujeitos e atores dos planejamentos socioambientais, questionando e propondo alternativas à comunidade. A pandemia COVID19 impossibilitou a realização de fóruns na zona urbana. Então foi deflagrado, em AGO/2020, o compartilhamento de formulário eletrônico para colher aspectos da percepção dos moradores frente aos problemas ambientais na zona urbana. Foram obtidas 492 respostas que apontaram um conjunto principal de problemas: animais soltos nas ruas; disposição irregular de lixo; e alagamentos. Um segundo bloco destacou as arboviroses; fiscalização insuficiente; poluição sonora; e coleta deficiente de esgotos.
O segundo eixo do projeto envolveu processo formativo de 51h (síncronas e assíncronas), entre JUN e AGO, com 75 profissionais da educação residentes na cidade. Apesar do apoio da Secretaria Municipal de Educação, apenas 40 profissionais concluíram o curso. Foram mapeadas ações de educação ambiental formal, incluindo estratégias e metas que ajudarão a compor Programa Municipal de Educação Ambiental. O terceiro eixo buscava o fortalecimento interinstitucional, mas as atenções já estavam urgentemente voltadas ao combate da COVID19 e polarização política com o início da campanha eleitoral municipal. A inexistência de um grupo gestor multi-institucional do projeto impediu maior capilaridade dentro da estrutura de gestão municipal.
A pesquisa foi importante aos pesquisadores envolvidos, mas também despertou interesse da sociedade. A articulação direta com a extensão e a aplicabilidade do ensino acadêmico produziram conhecimentos profundos dos problemas socioambientais municipais. O projeto integrou pilares da “pesquisa, ensino e extensão”, contribuindo à leitura qualificada da realidade a qual estamos inseridos (FONTOURA et al, 2009). Os dados padecem de análises complementares, mas se espera realizar, antes de NOV/2020, um seminário aberto à sociedade para apresentar a minuta da Lei da Política Municipal de Educação Ambiental, acompanhada do Programa construído de forma participativa.
Referência
CUNHA, F.C. 2018. Educação ambiental: uma descrição das ações realizadas no município de cruz das almas (BA). Revbea, v. 13, n 3, p.76-95.
FONTOURA, H. A. 2009. Tecendo experiências na Faculdade de Formação de Professores da UERJ em São Gonçalo, RJ: relatos de pesquisa etnográfica, Trabalho apresentado no IX Encontro de Pesquisa em Educação da Região Sudeste, São Carlos, SP.
LAYRARGUES, P. P. 2004. (Re)conhecendo a Educação Ambiental Brasileira. In: LAYRARGUES, P. P. (coord.) Identidades da Educação Ambiental Brasileira Brasília: Ministério do Meio Ambiente.
MAMÉDIO, D.; PUGAS, A.S.; DELGADO-MENDEZ, J.M. 2019. Estudo da percepção ambiental como ferramenta de sensibilização à redução da caça de animais silvestres na Reserva Florestal Mata de Cazuzinha, Cruz das Almas-BA. Ciência e Natura, v.41, e39, p.01-08.
SECCHI, L. 2013. Políticas Públicas: conceitos, esquemas de análise e casos práticos. 2. Ed. São Paulo. Cengage Learning.
SOUZA, S.S.; TEIXEIRA, G.F. 2012. Aterro Sanitário: Um problema de Cruz das Almas. Revista NAU Social, v.3, n.4, p.29-37.